terça-feira, 15 de dezembro de 2009

De quina: Fiti & rometicher

Por Lúcia Carvalho

Não é fácil. Para morar num apartamento hoje em dia ou você é um pouco bilíngüe ou fica totalmente boiando nos ambientes. Explico. Os novos lançamentos imobiliários têm atualmente uma quantidade sem fim de lugares com títulos estrangeiros e completamente esdrúxulos.

Acho que tudo começou com os nomes dos prédios. Se anos atrás os edifícios de São Paulo tinham singelos nomes de mulheres, índios ou flores, de uns tempos para cá começaram a surgir um monte de "piazzas", "places" ou "villaggios". Óbvio que esses nomes não vieram sozinhos. Os prédios passaram a receber roupagens diferentes, de acordo com o local eleito como referência. Arquitetura? Nunca. Só maquiagem.

Mas não bastava vender somente o nome do prédio e a roupa-fachada. O mercado imobiliário inventou outros produtos, e aí surgiram os ambientes com nomes estrangeiros. A coisa cresceu e hoje qualquer lançamento imobiliário tem que ter, obrigatoriamente, locais como "gourmet places", spas, lobbys, "home offices", "family rooms", fitness, "closets", solariuns, lan houses e "barbecue places". Tenho dúvidas se esses espaços realmente vieram da arquitetura americana ou européia -- ora, churrasqueiras, salas de ginástica, sala de TV e rouparias sempre existiram nos prédios e condomínios.

Infelizmente essa é a realidade: nomes americanos, italianos ou franceses agregam valor aos espaços. Isso vende imóveis, projetos de decoração, mobiliário, produtos. Existe um mercado enorme por detrás desses ambientes, eu mesma já presenciei reuniões de decoradores com clientes e percebo que esse marketing, além de vender, define a sua vida: na sua casa nova você acredita que vai fazer coisas nunca imaginadas. Vai malhar muito numa sala de fitness, fazer churrascos sem parar, ver filmes "cult" num super-home theater, cultivar um jardim de inverno e o hobbie da jardinagem, e, enfim, vai ter uma "family room" para conviver com os seus familiares, escuta, como você nunca pensou nisso antes?

Quem sofre com isso são os operários das obras, que precisam rapidamente se adequar a essa nova linguagem para trabalhar. Já fui chamada para resolver problemas em romitichers, espás, longes, solares e closis. Muitas vezes só descobri onde era o problema depois de chegar ao local. E de longe o campeão de nomes errados é, sem dúvida alguma, o famoso home theater. Rometicher, rontich, ramitichi, hamitisi, tichicher, ramtixi, roamtiter, romsiter, olha, não há quem não faça a sua própria adaptação abrasileirada do nome, e, às vezes, os piores são os próprios proprietários, que insistem em pronunciar a palavra emboladamente, com boca de subwooffer. Tenho um eletricista, o Ceará, que de tanto pronunciar palavras em inglês nas obras, um dia encontrou um técnico de som americano e conversou um tempão com ele.

-- O que você tanto falou com o americano, ô Ceará?

-- Ah, estava explicando onde vou colocar os espiquers no rome e no fites -- ele respondeu, exibido -- e descobri que eu já falo inglês, sabia?

Depois dos apartamentos prontos, o problema lingüístico de multi-tradução-simultânea-arquitetônica continua para os zeladores e funcionários. Outro dia, numa portaria aguardando a entrada, presenciei o seguinte diálogo entre um porteiro e um segurança:

-- Onde está o zelador, Severino? -- perguntou o segurança.

-- Está naquela tal de cozinha do lado do "fiti", sabe onde é?

Bom, se eu fosse ele eu também não me arriscaria a pronunciar "gourmet place"...

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